Sophie Calle, uma famosa escritora francesa, recebeu uma carta de rompimento do escritor Grégoire Bouillier em que ele pedia a ela: cuide de si. Ela fez mais que isso, transformou a carta numa exposição em que deu voz a várias mulheres, na releitura dessa carta. Cada uma com sua própria vida, interpretação, reação e sentimento. E todas elas existiam dentro da própria Sophie. E existem dentro de cada um de nós, homens ou mulheres.
Mas o que me levou a escrever sobre Sophie e sua carta foi o título dessa exposição:
CUIDE DE VOCÊ.
Me fez pensar em como dentro de um relacionamento fica fácil, num primeiro momento, nos perdermos de nós mesmos. Como nos distanciamos de nós para viver o outro, para o outro e pelo outro. E assim achamos isso normal, prova de amor, altruísmo. Mas, sem saber que o caminho de volta pode ser difícil ou não acontecer.
Não é normal ou prova de amor! O outro se apaixonou por você como é, e não por alguém que se moldou à ele. E pior, sem que ele pedisse… E você? Se reconhece ao se olhar no espelho? Quando foi a última vez que fez algo por você, só para você? Sem culpa… acredite isso não é egoísmo, é cuidado. Para amar alguém é preciso que você saiba quem é, o que quer e o que gosta. Do contrário, você vira um fantasma sem sonhos ou objetivos. Um coadjuvante da própria vida e dependente da vida do outro, que se agarra aos sonhos do outro na tentativa de se reconhecer de alguma forma. É pesado demais para você e para o outro e quem sangra é o relacionamento, que precisa de cuidados constantes e pessoas saudáveis e conscientes de quem são para que ele cresça e floresça.
O relacionamento é o reflexo de vocês, é formado por EU (meus sonhos, história, objetivos) + VOCÊ (seus sonhos, história, objetivos) que é igual a NÓS. Se nessa equação, algo estiver errado, o resultado será errado.
Relacionamento é soma e multiplicação. Portanto, se faltar número pra somar ou multiplicar ele não existe. Se um número só subtrai ou divide, ele acaba.
Então não espere um rompimento para cuidar de si. Comece hoje, agora ! Seja a soma e a multiplicação dos seus sonhos, do que você tem de melhor, e seu relacionamento também será.
Portanto, olhe para você, revisite seu coração, ouça sua alma que grita.
Cuide de si !
E, se tiver curiosidade de ler a carta, ela está aqui:
Sophie,
Há algum tempo venho querendo lhe escrever e responder ao seu último e-mail. Ao mesmo tempo, me pareceria melhor conversar com você e dizer o que tenho a dizer de viva voz. Mas pelo menos será por escrito. Como você pôde ver, não tenho estado bem ultimamente. É como se não me reconhecesse na minha própria existência. Uma espécie de angústia terrível, contra a qual não posso fazer grande coisa, senão seguir adiante para tentar superá-la, como sempre fiz. Quando nos conhecemos, você impôs uma condição: não ser a “quarta”.
Eu mantive o meu compromisso: há meses deixei de ver as “outras”, não achando obviamente um meio de vê-las, sem fazer de você uma delas. Achei que isso bastasse e que amar você e o seu amor seriam suficientes para que a angústia que me faz sempre querer buscar outros horizontes e me impede de ser tranquilo e, sem dúvida, de ser simplesmente feliz e “generoso”, se aquietasse com o seu contato e na certeza de que o amor que você tem por mim foi o mais benéfico para mim, o mais benéfico que jamais tive, você sabe disso.
Achei que a escrita seria um remédio, que meu “desassossego” se dissolveria nela para encontrar você. Mas não. Estou pior ainda; não tenho condições sequer de lhe explicar o estado em que me encontro. Então, esta semana, comecei a procurar as “outras”. E sei bem o que isso significa para mim e em que tipo de ciclo estou entrando. Jamais menti para você e não é agora que vou começar. Houve uma outra regra que você impôs no início de nossa história: no dia em que deixássemos de ser amantes, seria inconcebível para você me ver novamente. Você sabe que essa imposição me parece desastrosa, injusta (já que você ainda vê B., R.,) e compreensível (obviamente…); com isso, jamais poderia me tornar seu amigo.
Mas hoje, você pode avaliar a importância da minha decisão, uma vez que estou disposto a me curvar diante da sua vontade, pois deixar de ver você e de falar com você, de apreender o seu olhar sobre as coisas e os seres e a doçura com a qual você me trata são coisas das quais sentirei uma saudade infinita. Aconteça o que acontecer, saiba que nunca deixarei de amar você da maneira que sempre amei desde que nos conhecemos, e esse amor se estenderá em mim e, tenho certeza, jamais morrerá.
Mas hoje, seria a pior das farsas manter uma situação que você sabe tão bem quanto eu ter se tornado irremediável, mesmo com todo o amor que sentimos um pelo outro. E é justamente esse amor que me obriga a ser honesto com você mais uma vez, como última prova do que houve entre nós e que permanecerá único. Gostaria que as coisas tivessem tomado um rumo diferente. Cuide de você.
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